Nos dias 24 e 25 de maio de 2025, a capital cabo-verdiana, Cidade da Praia, foi palco de um evento histórico: o I Fórum Cabo-verdiano de Liberdade Religiosa (FELIR 2025). Organizado pelo Departamento de Relações Públicas e Liberdade Religiosa da Associação das Igrejas Adventistas do Sétimo Dia em Cabo Verde (AIASD-CV), o evento foi realizado no Salão Nobre do Parlamento, enquadrado nas celebrações dos 50 anos da Independência nacional e dos 90 anos da chegada do Adventismo ao país.

Pluralidade e Elevada Participação Marcaram o Evento
A matriz religiosa em Cabo Verde é predominantemente cristã. Segundo os dados nacionais mais recentes, de 2021, 72,5% da população residente com idade igual ou superior a 15 anos identifica-se com o catolicismo, seguida pelos Adventistas do Sétimo Dia, que representam 1,9% dos residentes. Outras comunidades religiosas, incluindo fiéis da Igreja do Nazareno, Muçulmanos, Assembleia de Deus e Espiritualistas, também estão presentes, refletindo a diversidade religiosa no arquipélago.
Essa realidade ficou evidente no fórum, que se destacou pelo caráter plural e laico, proporcionando um espaço de diálogo aberto e inclusivo. O evento contou com a presença de autoridades do Estado, juristas, representantes da sociedade civil, especialistas nacionais e internacionais, além de organismos dedicados à promoção dos direitos humanos.
Garantindo Direitos e Promovendo Tolerância
A cerimônia de abertura, realizada no dia 24 de maio, foi abrilhantada pelo Presidente da República, Dr. José Maria Neves, que ressaltou o compromisso de Cabo Verde com a paz e a tolerância religiosa, apelando para que eventuais constrangimentos ou equívocos na aplicação da lei sejam superados rapidamente.

Os painelistas abordaram temas cruciais sob diversas perspectivas, como garantias constitucionais, a relação entre religião e política em Cabo Verde, avanços e desafios para a liberdade religiosa, sobretudo no que tange à participação dos adventistas em concursos públicos e em contextos laborais.
Entre os painelistas que marcaram presença no evento, destacaram-se o Dr. Aristides Lima, um dos três Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, a mais alta corte do país; o Dr. Adilson Semedo, pesquisador da Universidade de Cabo Verde; a Dra. Eurídice Mascarenhas, Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos e Cidadania; e o Dr. Felisberto Moreira, Presidente da Rede Nacional de Direitos Humanos. Também participaram convidados internacionais: a advogada adventista Dra. Damaris Moura, autora da primeira lei de liberdade religiosa no Brasil, e o Dr. Fábio Nascimento, Presidente da Aliança Lusófona pela Liberdade Religiosa.
Testemunho do Pastor Antonio Monteiro dos Anjos
Um dos momentos mais emocionantes do fórum foi o testemunho do pastor cabo-verdiano António Monteiro dos Anjos, que relatou a sua experiência de prisão no Togo. Em 2012, Monteiro foi detido sob acusações infundadas de envolvimento em uma rede de tráfico de sangue e órgãos humanos. Apesar da ausência de provas concretas, permaneceu preso por 22 meses na Prisão Civil de Lomé. Durante esse período, a comunidade adventista global e autoridades mobilizaram-se em sua defesa, promovendo vigílias de oração, campanhas de mídia social e petições internacionais. Em 13 de janeiro de 2014, o Tribunal de Apelações do Togo declarou sua inocência e ordenou sua libertação.
O caso de Monteiro tornou-se emblemático na luta pela liberdade religiosa e pelos direitos humanos, evidenciando os riscos enfrentados por líderes religiosos em contextos de intolerância e injustiça. Seu relato no fórum reforçou a importância de garantir a liberdade de crença e a proteção dos direitos fundamentais em todas as sociedades.

Apelo pelo Respeito e Garantia Constitucional
No seu discurso de abertura, o presidente da Igreja Adventista em Cabo Verde, Pr. Natalino Martins, ressaltou a liberdade religiosa como um direito natural e inalienável, fundamentado biblicamente no livre-arbítrio concedido por Deus, que permite a cada pessoa escolher sua fé sem coerção. Ele relembrou a atuação histórica da Igreja na defesa desse direito desde os seus primórdios, destacando figuras proeminentes como Ellen White e o pastor Alonzo T. Jones, um dos fundadores da Associação Internacional de Liberdade Religiosa (IRLA), a organização mais antiga do mundo dedicada exclusivamente à promoção da liberdade religiosa para todas as pessoas, independentemente de sua crença.
Além disso, reconheceu e agradeceu ao Estado de Cabo Verde, na pessoa do Presidente da República, à Constituição da República e à Lei nº 64/VIII/2014, que estabelece o regime jurídico da liberdade de religião e de culto no país. Também destacou especialmente o artigo 49º da Constituição, que garante o respeito à liberdade religiosa. Contudo, alertou para desafios atuais, como a falta de medidas alternativas para adventistas que não podem participar de provas aos sábados.
“Reafirmo o nosso compromisso de continuar a trabalhar lado a lado com o Estado, com outras confissões religiosas e com a sociedade civil, para que a liberdade religiosa não seja apenas uma norma escrita na lei de Deus e dos homens, mas uma realidade vivida - com respeito e fé”.
Já o presidente da UMOS, Pr. David Njock, no encerramento do Fórum, fez um forte apelo para “um olhar de graça além das nossas diferenças religiosas”, enfatizando que a diversidade religiosa deve ser vista como uma oportunidade de crescimento mútuo. Ele alertou, entretanto, que a tolerância religiosa não pode ser confundida com a aceitação de práticas que atentem contra a dignidade humana, como a violência e outras formas de abuso.
Um Compromisso Adventista com a Liberdade Religiosa
Segundo um dos membros da Comissão Organizadora do Fórum e promotor da Associação Cabo-verdiana pela Liberdade Religiosa, o professor Milton Monteiro, cabo-verdiano radicado no Brasil: “Este evento representa um marco histórico em Cabo Verde e reafirma o compromisso dos adventistas com o respeito à dignidade humana, aos direitos humanos e à liberdade religiosa”.
Brevemente será assinada, em outro encontro solene, a “Declaração da Praia em prol da Liberdade Religiosa", acompanhada de protocolos e parcerias que visam fortalecer a cooperação entre instituições, organizações religiosas e o Estado. Para ações futuras, ficou ainda proposto, pelos juristas e acadêmicos adventistas, estudar e elaborar uma proposta de lei para a criação de um Dia Nacional da Liberdade Religiosa, sob a promoção da ACLIR. Na ocasião, também foi lançado o site oficial: www.liberdadereligiosa.cv.
A versão original deste artigo foi publicada no site de notícias da Divisão Sul-Americana em português. Entre no canal da ANN no WhatsApp para acompanhar as últimas notícias da Igreja Adventista.