Quando os líderes da Divisão Centro-Leste Africana (ECD, sigla do inglês) da Igreja Adventista do Sétimo Dia idealizaram a visão para o programa "De Volta Para Casa 2024", foi um momento inspirador. Líderes e membros da igreja em toda a divisão, bem como africanos na diáspora, foram amplamente convidados a atender ao "Chamado para se Unir e Evangelizar."
O que os líderes e membros da igreja do leste da República Democrática do Congo (RDC) não sabiam é que teriam que enfrentar a realidade de muitos membros que agora não têm acesso às suas casas. Ninguém poderia ter se preparado para a eventualidade de milhões de congoleses deslocados internamente no leste do Congo, uma região que sofreu múltiplos conflitos armados desde o genocídio de Ruanda em 1994.
Em abril de 2024, a RDC tinha 7,2 milhões de deslocados internos, a maioria no leste do Congo, e mais de 80% fugiam de conflitos armados. A maioria deles faz parte dos quase 20 milhões de pessoas das três províncias mais afetadas no leste do Congo: Ituri, Kivu do Norte e Kivu do Sul. Entre os deslocados internos, há muitos irmãos e irmãs adventistas.
Segundo diversas fontes locais, a situação piora a cada dia. Kasereka Muthavaly, decano do departamento de Teologia da Universidade Adventista de Lukanga, na província de Kivu do Norte, relatou: "Está ocorrendo um desastre; não sabemos exatamente o que acontecerá amanhã". Pior ainda, este é mais um dos conflitos armados esquecidos no mundo, pois os conflitos dessa região não recebem tanta cobertura midiática quanto outros em diferentes países.
O leste do Congo é conhecido por sua população agrícola e empreendedora. No entanto, com mais de 2 milhões de refugiados que fugiram para a RDC desde o genocídio de Ruanda em 1994, os conflitos armados não cessaram desde então. Segundo o Global Conflict Tracker, “desde 1996, o conflito no leste do Congo causou aproximadamente 6 milhões de mortes”. Algumas fontes elevam esse número a mais de 8 milhões. O leste do Congo é uma região que 20 milhões de pessoas chamam de lar. Era ali que se supunha que o retorno para casa aconteceria para centenas de milhares de adventistas.
A maioria da população do leste do Congo vive em áreas rurais devido às suas atividades agrícolas. "A situação atual na província de Kivu do Norte é incompreensível", afirma Joseph Sindany, membro de uma igreja adventista local de Butembo, a segunda maior cidade da província de Kivu do Norte. Os rebeldes criam o caos nas áreas rurais para poder colher produtos agrícolas e comerciais, como o cacau, que vendem para financiar suas atividades criminosas. A produção agrícola diminuiu consideravelmente, tornando tudo mais caro.
Há migrações em massa das áreas rurais para as cidades. Cidades como Butembo, Beni e Goma (na província de Kivu do Norte) estão lotadas de deslocados internos, pois são consideradas mais seguras do que a maioria dos vilarejos e aldeias vizinhas. Entre os deslocados internos em Butembo, também há pigmeus, conhecidos por viverem nas áreas florestais mais profundas da RDC. Nenhuma geração atual havia visto antes pigmeus fugirem para as cidades, pois no passado eles se sentiam confortáveis e seguros com sua vida na floresta.
Segundo Muthavaly, a fé de muitos membros da igreja está sendo desafiada. "Se Deus é tão bom e tão poderoso, por que Ele não impede esses massacres?". Essas não são perguntas incomuns quando as pessoas enfrentam calamidades e situações catastróficas como esta em qualquer parte do mundo. Desafios à saúde mental são esperados nessas circunstâncias. Muitos pastores fugiram e agora vivem nas cidades. Eles não conseguem continuar cuidando de seu rebanho nas áreas rurais. Segundo o secretário da União Nordeste do Congo (UNEC), Kahindo Kyusa, “é difícil fornecer orientação espiritual aos membros da igreja nas áreas vermelhas devido aos conflitos intermináveis e ao fechamento de nossas igrejas”.
Viajar de uma aldeia ou cidade para outra tornou-se um risco mortal em muitas partes do leste do Congo. Por essa mesma razão, o presidente da UNEC teve que se mudar para a vizinha Ruanda, onde vive há algum tempo. Ele não tem outra opção a não ser liderar a distância.
Devido à situação atual, muitas igrejas adventistas estão fechadas. Algumas escolas adventistas também funcionam de forma intermitente. Muitos membros da igreja estão entre os deslocados internos. “Não é fácil visitar e pregar aos deslocados internos porque entrar nos campos de deslocados significa que todos esperam receber ajuda dos pastores”, disse Kyusa.
Necessidades básicas como comida, roupas e abrigo são desafios diários. A pobreza é sentida em todos os lugares, e o custo das necessidades cotidianas aumenta constantemente. A maioria das atividades geradoras de renda está interrompida há anos. Como consequência, dízimos e ofertas diminuíram consideravelmente. Tudo isso está afetando tremendamente a obra de Deus no leste do Congo em geral.
Apesar desses desafios, algumas igrejas adventistas locais se organizaram e continuam apoiando os deslocados internos. Por exemplo, em Butembo, os membros da igreja contribuem regularmente com roupas e sapatos usados, bem como com refeições, para distribuir em vários campos de deslocados internos da cidade. Às vezes, quando as igrejas adventistas locais podem fornecer refeições quentes, convidam os deslocados internos a irem à igreja para comer gratuitamente e participar dos cultos religiosos. Essa ajuda é oferecida a todos os deslocados internos, independentemente de sua afiliação religiosa.
De acordo com os dados estatísticos da UNEC, que abrange o epicentro da maioria dos conflitos armados no leste do Congo, a obra de Deus em três regiões foi severamente impactada durante o programa De Volta Para Casa 2024. No campo de Kivu do Norte, dos 300 locais de evangelização planejados, apenas 95 estavam em operação. Em vez da meta de 9.300 batismos, apenas 972 foram alcançados. No campo de Kivu Central, os líderes haviam planejado 670 locais, mas apenas 243 estavam ativos. Em vez da meta de 7.533 batismos, realizaram metade (3.325). Na Missão de Kibali Ituri, no norte do território da UNEC, 177 locais foram planejados, dos quais 124 estavam operacionais. O resultado foi de 5.777 batismos, em vez dos 6.055 esperados.
Uma comparação das três associações regionais revela um impacto claro do conflito armado no crescimento da igreja. “Embora agradeçamos a Deus pelos novos membros batizados e pelo trabalho contínuo nessa zona de missão da união, também precisamos reconhecer e orar pelo povo do leste do Congo”, declarou Kyusa. Durante mais de três décadas, o leste do Congo tem sofrido com um conflito constante, e a cada ano os desafios se intensificam. Muitos adventistas da região mantêm uma forte esperança no iminente retorno de Jesus, mas continuam enfrentando dificuldades e incertezas. Orações e apoio prático continuam sendo essenciais para que possam enfrentar cada dia.
A versão original deste artigo foi publicada no site da Adventist Review.